Colocar-se em primeiro lugar é um ato de coragem não de egoísmo afirma Dra. Juliana Conti
Você já se perguntou, com sinceridade: eu me olho com carinho? Não apenas nas horas de crise ou quando o corpo pede socorro, mas no dia a dia, nas decisões simples e nas grandes escolhas da vida?
A verdade é que, para muitas pessoas, especialmente mulheres, colocar-se em primeiro lugar ainda soa como egoísmo. Como se cuidar de si fosse abandonar os outros. Como se priorizar fosse desrespeitar as obrigações. Mas o que muitos ignoram (ou resistem a aceitar) é que o autocuidado é condição essencial para que possamos existir de forma inteira no mundo. Não há entrega saudável quando a gente se esquece de si.

Autocuidado não é egoísmo. É responsabilidade emocional
Na clínica, escuto com frequência relatos de exaustão, culpa e confusão. “Será que estou sendo egoísta por querer um tempo para mim?”, perguntam. E, como nos lembra Winnicott, só é possível cuidar verdadeiramente do outro quando o “EU” está suficientemente sustentado. Colocar-se em primeiro lugar é uma forma madura de existir, de reconhecer seus limites, desejos e necessidades.
Freud já apontava que o amor direcionado ao outro é, muitas vezes, uma extensão do amor por si mesmo. Se esse amor-próprio está em ruínas, tudo o que se constrói a partir dele fica comprometido: relações, trabalho, sexualidade, maternidade, paternidade. Estar bem consigo é a base para estar bem com o mundo.
O corpo, a mente e os afetos precisam de cuidado
Você já notou como é comum cuidarmos do carro, do celular, dos prazos… e deixarmos nosso corpo e nossas emoções por último? Cuidar-se não é só fazer terapia ou ir ao médico (embora isso também seja fundamental). É respeitar o próprio cansaço, acolher suas dores, olhar para suas necessidades emocionais, físicas e afetivas.

Nos relacionamentos amorosos e sexuais, por exemplo, esse autocuidado passa por se perguntar: o que eu gosto? o que me dá prazer? eu estou aqui porque quero ou porque me acostumei? Amar o outro sem se amar primeiro é uma das armadilhas mais comuns e mais perigosas.
Relações familiares: a difícil arte de não se anular
Muitos de nós crescemos acreditando que precisamos ser filhos, filhas, pais, mães, parceiros, perfeitos. Mas a perfeição é um peso cruel. Não é raro que, na tentativa de atender a todas as expectativas, as pessoas se percam de si.
Impor limites, mesmo dentro da família, é uma forma de se cuidar. Saber dizer “não”, recusar papéis que sufocam, abrir mão de agradar o tempo todo: tudo isso é gestão de saúde mental. Como bem aponta a psicanálise, os vínculos afetivos são fundamentais, mas precisam ser atravessados por autenticidade e desejo, e não por obrigação ou culpa.
O feminino e a exaustão invisível
Ser mulher, ainda hoje, é viver sob a pressão de dar conta de tudo: carreira, casa, filhos, estética, sexo, gentileza. O ideal da “mulher que não para” é um fardo que adoece. A autocobrança constante, muitas vezes naturalizada, esgota o corpo e silencia os afetos.
A mulher que se permite parar, respirar, pedir ajuda ou simplesmente dizer “hoje não” está desafiando padrões. Está dizendo: “eu me importo comigo”. E isso não é sinal de fraqueza, mas de coragem.
O masculino e a armadilha do silêncio
Homens também sofrem com a pressão dos papéis. A masculinidade tóxica, ainda presente em muitos contextos, ensina que homem de verdade não chora, não sente, não fala. Essa lógica produz solidão, violência e adoecimento.
Aos poucos, temos visto homens buscando terapia, falando de suas emoções, cuidando da saúde mental. Isso precisa ser valorizado. Reconhecer a própria vulnerabilidade é um ato de força e, também, de amor-próprio.
Dizer “não” também é amor
Amar-se é saber até onde ir e onde parar. É compreender que o “não” que oferecemos ao outro muitas vezes é um “sim” que dizemos a nós mesmos. Freud chamava atenção para os mecanismos de defesa que usamos para evitar conflitos internos. Mas é na escuta de si que encontramos a verdade do nosso desejo.
Você não precisa estar disponível o tempo todo. Nem tudo que pedem de você é justo. Colocar limites é um ato de maturidade psíquica e de proteção emocional.
O autoconhecimento como bússola
Conhecer-se profundamente é o ponto de partida para qualquer transformação. Saber do que se gosta, o que se deseja, quais dores carrega, quais repetições se mantêm nos vínculos. Como nos ensina a psicanálise, escutar-se é uma das formas mais potentes de cuidado.
E isso vale para todas as áreas da vida: relacionamentos, sexualidade, vida profissional, decisões cotidianas. Autoconhecimento não é uma meta distante. É uma prática, um exercício diário de olhar para si com menos julgamento e mais compaixão.
Conclusão
Eu, Juliana, acredito profundamente que se colocar em primeiro lugar é um ato revolucionário, especialmente em um mundo que nos cobra tanto desempenho, agradar a todos e viver para fora. Se não estamos bem, nada flui. O cuidado com o outro começa no cuidado consigo. E isso não tem nada de egoísta. É, na verdade, o gesto mais generoso que podemos oferecer ao mundo: sermos inteiros.
Então eu te convido: que tal começar hoje, agora, a se olhar com mais carinho?